Durante 13 anos, Drauzio Varella trabalhou voluntariamente como médico na Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru). E assim nasceu Estação Carandiru. O médico relata a vida precária dos detentos e culmina no grande massacre ocorrido por lá, sabe-se Deus o motivo - até hoje.
A estrutura do livro é toda em forma de "casos" contados pelos presos, conversas que teve com eles e impressões médicas e pessoais dessa vida que, para muitas pessoas, fica em outra dimensão.
Um livro forte, sofrido, mas escrito da forma mais leve que o autor encontrou no meio de tanta loucura e miséria. Percebe-se claramente o alto nível de envolvimento que Drauzio viveu com cada um deles. Uma ótima leitura, certamente.
Alguns trechos mais marcantes:
"Já nas primeiras palestras fiquei surpreso com a consideração que os homens demonstravam por mim. Nas perguntas usavam termos e expressões como "sexo anal", "penetração", "prostituição", "homossexuais" ou "mulheres de cadeia" - jamais uma palavra grosseira, palavrão, nem pensar. Certa ocasião, ao interromper um vídeo da Daniela Mercury para colocar o de AIDS, uns três ou quatro do fundo assobiaram por brincadeira, como fazem os alunos de cursinho. Essa pequena manifestação deu o que fazer para o Waldemar Gonçalves convencer o pessoal que ajudava na montagem do equipamento a não esfaquear os assobiadores. Santão, um mulato musculoso cumprindo dezoito anos por assalto a bancos, que ajudava a montar o equipamento de som, era dos mais revoltados:
- Qual é a desses caras, meu, querer zoar o médico que vem conscientizar os manos do perigo dessa praga e dar uma distração para a coletividade? Eles não estão tirando o doutor, estão tirado nós!"
"Tinha caído a noite quando terminei. O Juliano desceu comigo até o térreo e chamou o funcionário para destrancar a gaiola. O carcereiro veio com um molho de chaves:
- Até essa hora, doutor! Nem sabia que o senhor ainda estava lá em cima. E você, Juliano, já era. Pode subir que eu vou te trancar.
Juliano deu um sorriso estranho e subiu de volta. Saí do pavilhão, cruzei a Divinéia e bati no portão que leva à portaria. Através da janelinha, o porteiro da noite me mediu de alto a baixo.
- Quem é você?
- Sou médico, estava atendendo no Quatro.
Encarou-me outra vez, demoradamente, depois abaixou o olhar na direção da minha calça:
- É o seguinte: vou falar com o plantão, e se ninguém te conhecer, você fica.
- Sou médico, pode perguntar para o funcionário que me abriu a gaiola do Quatro.
- Não é você que vai me dizer para quem devo perguntar. Espera aí.
Desconfiado, olhou fixo os meus olhos e saiu sem pressa na direção da Ratoeira.
Apesar de saber que tudo acabaria esclarecido, o fato de estar do lado de dentro e experimentar a rudeza do contato com aquele que tinha a posse da chave provocou-me certo desconforto, talvez semelhante ao expresso pelo sorriso do Juliano quando ele subiu para ser trancado no xadrez."
"Devagar, aprendi que a cadeia infantiliza o homem e que tratar de presos requer sabedoria pediátrica. Muitas vezes é suficiente deixá-los se queixar ou simplesmente concordar com a intensidade do sofrimento que referem sentir, para aliviá-los. O ar de revolta que muitos traziam para a consulta desaparecia depois que lhes palpava o corpo e auscultava pulmões e coração. No final, não era raro encontrar ternura no olhar deles. A paciência de escutar e o contato do exame físico desarmavam o ladrão."
A estrutura do livro é toda em forma de "casos" contados pelos presos, conversas que teve com eles e impressões médicas e pessoais dessa vida que, para muitas pessoas, fica em outra dimensão.
Um livro forte, sofrido, mas escrito da forma mais leve que o autor encontrou no meio de tanta loucura e miséria. Percebe-se claramente o alto nível de envolvimento que Drauzio viveu com cada um deles. Uma ótima leitura, certamente.
Alguns trechos mais marcantes:
"Já nas primeiras palestras fiquei surpreso com a consideração que os homens demonstravam por mim. Nas perguntas usavam termos e expressões como "sexo anal", "penetração", "prostituição", "homossexuais" ou "mulheres de cadeia" - jamais uma palavra grosseira, palavrão, nem pensar. Certa ocasião, ao interromper um vídeo da Daniela Mercury para colocar o de AIDS, uns três ou quatro do fundo assobiaram por brincadeira, como fazem os alunos de cursinho. Essa pequena manifestação deu o que fazer para o Waldemar Gonçalves convencer o pessoal que ajudava na montagem do equipamento a não esfaquear os assobiadores. Santão, um mulato musculoso cumprindo dezoito anos por assalto a bancos, que ajudava a montar o equipamento de som, era dos mais revoltados:
- Qual é a desses caras, meu, querer zoar o médico que vem conscientizar os manos do perigo dessa praga e dar uma distração para a coletividade? Eles não estão tirando o doutor, estão tirado nós!"
"Tinha caído a noite quando terminei. O Juliano desceu comigo até o térreo e chamou o funcionário para destrancar a gaiola. O carcereiro veio com um molho de chaves:
- Até essa hora, doutor! Nem sabia que o senhor ainda estava lá em cima. E você, Juliano, já era. Pode subir que eu vou te trancar.
Juliano deu um sorriso estranho e subiu de volta. Saí do pavilhão, cruzei a Divinéia e bati no portão que leva à portaria. Através da janelinha, o porteiro da noite me mediu de alto a baixo.
- Quem é você?
- Sou médico, estava atendendo no Quatro.
Encarou-me outra vez, demoradamente, depois abaixou o olhar na direção da minha calça:
- É o seguinte: vou falar com o plantão, e se ninguém te conhecer, você fica.
- Sou médico, pode perguntar para o funcionário que me abriu a gaiola do Quatro.
- Não é você que vai me dizer para quem devo perguntar. Espera aí.
Desconfiado, olhou fixo os meus olhos e saiu sem pressa na direção da Ratoeira.
Apesar de saber que tudo acabaria esclarecido, o fato de estar do lado de dentro e experimentar a rudeza do contato com aquele que tinha a posse da chave provocou-me certo desconforto, talvez semelhante ao expresso pelo sorriso do Juliano quando ele subiu para ser trancado no xadrez."
"Devagar, aprendi que a cadeia infantiliza o homem e que tratar de presos requer sabedoria pediátrica. Muitas vezes é suficiente deixá-los se queixar ou simplesmente concordar com a intensidade do sofrimento que referem sentir, para aliviá-los. O ar de revolta que muitos traziam para a consulta desaparecia depois que lhes palpava o corpo e auscultava pulmões e coração. No final, não era raro encontrar ternura no olhar deles. A paciência de escutar e o contato do exame físico desarmavam o ladrão."
Coleção: COMPANHIA DE BOLSO
Autor: VARELLA, DRAUZIO
Editora: COMPANHIA DE BOLSO
Assunto: CIÊNCIAS SOCIAIS - SOCIOLOGIA
ISBN: 9788535906400
Preço: 24,00
Um comentário:
ótima matéria, muito boa mesmo....
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