Tenho um diabo dentro de uma
garrafa. É um diabo antigo, com quase quinhentos anos de idade, que pertence à
família já há seis gerações.
Meu diabo é italiano de origem, embora as suas
andanças pelo mundo o tenham transformado em um cosmopolita incurável.
[...]
No entanto, é fluente em cento e doze línguas
conhecidas e em outras tantas que os paleógrafos a quem levei as fitas não
conseguiram classificar.
[...]
Mede cerca de vinte centímetros, do chifre à ponta
da cauda, e, visto de relance, imóvel dentro da garrafa, bem poderia ser
confundido com um réptil conservado em formol.
[...]
Vive na cristaleira da sala e diverte-se com os
programas de tevê a que assistem os meninos. Por incrível que pareça, criou
gosto por seriados japoneses. É também de se admirar que alguém com tamanha
erudição se emocione com reprises de novelas, mas, que fazer? Meu demônio é um
romântico inveterado. Um pobre-diabo, por assim dizer.
[...]
Apesar da difícil convivência, confesso grande
admiração por meu demônio de proveta. Ele possui uma mente vasta,
enciclopédica, labiríntica. Recita de memória clássicos gregos e latinos, é um
mestre da retórica e, por incrível que pareça, conhece a Bíblia de cabo a
rabo.
É também um excelente contador de histórias. Tantos
séculos de existência foram suficientes para supri-lo com um estoque
aparentemente inesgotável de aventuras. Suas narrativas são repletas de reis,
sacerdotes, feiticeiros, piratas, canibais, civilizações extintas, cidades
submersas, tapetes voadores, óvnis, máquinas do tempo, amuletos, filtros de
amor e toda sorte de coisas extraordinárias, demonstrando inegáveis qualidades
de mercado. Nas mãos de um escriba inescrupuloso, meu diabo renderia dinheiro a
rodo.
[...]
Eis, portanto, a biografia autorizada de uma criatura
que privou da companhia de grandes personalidades da História Universal e que
acompanhou de perto todas as reviravoltas da humanidade nos últimos
quatrocentos e setenta e um anos; alguém que atravessou mares, desertos e
cordilheiras e que frequentou palácios, castelos, mansões, bibliotecas,
labirintos, camarotes, cozinhas, adegas, porões, masmorras e lixeiras do mundo
inteiro, sem jamais ter saído de uma garrafa de pouco mais de litro e meio de
capacidade.
(Alexandre Raposo - Memórias de um diabo de garrafa)
3 comentários:
Olá, parabéns pelo Blog. Venha visitar o meu: http://chadechama.blogspot.com.br/
O diabo engarrafado, o Demo, o Capiroto, segundo Riobaldo, é uma riqueza para poucos.
Abraços,
Sarah Vervloet.
Gostei muito! Já agora faça uma visitinha ao meu http://umbrindeafrustracaodacondicaohumana.blogspot.pt/
Adorei o texto. Será que esse diabo ficou feliz ou decepcionado quando conheceu tanta coisa desse mundo?
Faça uma visita ao meu blog!!
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